quinta-feira, 1 de julho de 2010

Bola no Chão: Análise à participação portuguesa em África

O apuramento de Portugal para o Mundial 2010 começou bem. Com uma goleada, fácil e convincente, sobre a frágil selecção de Malta. Depois, contudo, à medida que a fase de qualificação se foi desenrolando, os problemas surgiram. Portugal perdeu pontos importantes, a descrença acentuou-se, a participação na África do Sul ficou por um fio. Através do playoff, uma via secundária para chegar ao Mundial, a selecção portuguesa, defrontando a Bósnia, conseguiu carimbar o seu passaporte. Sorriu no final de um caminho perigoso, com obstáculos, repleto de quedas. Nenhuma delas se revelou fatal. Foi só o susto, a lama no equipamento, o incómodo. São, no entanto, situações que, queiramos ou não, têm o seu peso. Tiveram, sobretudo, na forma como os adeptos portugueses encararam a presença no Mundial 2010.

Portugal esteve, durante esse período conturbado de apuramento, na mó de baixo. Carlos Queiroz, sem nunca conseguir mobilizar e unir os adeptos em torno da selecção, manteve-se esperançado. Recorreu a uma metáfora, correcta e feliz, que Portugal não estava inserido numa corrida ao sprint, mas numa maratona: importava, sim, chegar ao final com o apuramento alcançado. Portugal conseguiu-o. De um momento para o outro, passando de um extremo para o oposto, a fasquia foi elevada. Em demasia. Falou-se em quartos-de-final, meias-finais e, até, quem ousasse colocar a selecção portuguesa na rota do título. O oito foi devorado pelo oitenta. Apesar de todas as cautelas que o grupo - com Brasil e Costa do Marfim, duas equipas fortes e que se destacam nos seus continentes, para além da incógnita Coreia do Norte - recomendava.

CARLOS QUEIROZ: O TRABALHO SEM MOBILIZAÇÃO

Um dos principais méritos de Luiz Filipe Scolari, o treinador campeão mundial pelo Brasil escolhido para reformular a selecção portuguesa após o verdadeiro fracasso na Coreia e no Japão, esteve em unir o povo português. Apelando ao espírito guerreiro, de ambição, de como seria possível Portugal chegar longe, tanto em Europeus como em Mundiais, Scolari conseguiu colocar um país completamente mobilizado no apoio à selecção nacional. Carlos Queiroz, pelo contrário, é um treinador diferente: mais distante, mais racional, mais pragmático. A filosofia trazida pelo professor reflecte-se na equipa. Portugal deixou de ter aquela ambição e união que eram imbutidas por Scolari. Como Queiroz, a selecção passou a adoptar uma postura mais cautelosa, expectante, jogando em função do adversário. Os adeptos perderam entusiasmo.

Na fase de grupos do Mundial 2010, já se disse, Portugal encontrou adversários fortes. Carlos Queiroz, atento aos pontos que dariam a passagem aos oitavos-de-final, privilegiou sempre uma estratégia de contenção, anulando o poderio contrário, sem nunca querer arriscar e, com isso, comprometer a estratégia que havia traçado. Nos jogos contra a Costa do Marfim e contra o Brasil, o primeiro e último de Portugal na primeira fase, a selecção portuguesa jogou com cautela, não cedendo espaço aos avanços dos rivais e esteve muitíssimo bem em termos defensivos. Essa foi, aliás, uma imagem de marca. Contudo, faltou ousadia e audácia no ataque. Só assim, atacando e colocando o adversário em dificuldades, é possível ganhar. Portugal cumpriu bem em termos defensivos, falhou no ataque. Apenas no jogo com a Coreia do Norte, onde era obrigatório fazê-lo, a selecção nacional mostrou gula pelos golos.

A MESMA ESTRATÉGIA NOS JOGOS A ELIMINAR?

Entre guardar o empate ou arriscar para ganhar, mesmo correndo o risco de perder, Carlos Queiroz jogou sempre pelo seguro. Na fase de grupos esta pode ser uma boa estratégia. Para Portugal, por exemplo, teve efeito: cinco pontos, resultantes de empates com as selecções mais poderosas e uma vitória de goleada sobre o patinho feio coreano, sete golos marcados e nenhum sofrido. Já ficara, porém, a imagem de ser Portugal uma selecção com pouca ambição. Outras, apesar de terem um resultado positivo, fariam de tudo para ter mais. A nós, adeptos portugueses, pareceu pouco: Portugal, afinal, só cumprira os mínimos e, caso tivesse sido mais ousada aqui ou ali, poderia mesmo ter batido a selecção costa-marfinense ou, até, a brasileira. Nos jogos a eliminar, até pelo poderio da Espanha, teria que mudar a sua filosofia. Para ganhar.

A Espanha é um adversário forte, que todos queriam evitar e uma séria candidata a chegar ao título mundial. Não é, no entanto, imbatível. A Suíça, no jogo de estreia dos espanhóis na África do Sul, provou-o - equipa muito fechada, com duas linhas muito próximas que anularam o meio-campo da selecção espanhola, conseguiu ganhar com um golo trapalhão e feliz. Num jogo a eliminar, Portugal teria de manter a boa consistência defensiva demonstrada na fase de grupos, com o intuito de impedir que Xavi e Iniesta conseguissem fazer girar o carrossel espanhol, mas ser bem mais atrevida no ataque. Não poderia, agora, ficar à espera. Para vencer, sem temor, teria que partir para o ataque, assustar os espanhóis, deixar o alerta de que se encontrava ali para vencer o jogo. Os erros repetiram-se: bem na defesa, poucos espaços concedidos, mas pouca ambição ofensiva. O resultado foi uma vitória justa da selecção espanhola.

O ATAQUE COMO CALCANHAR DE AQUILES

A falta de eficácia no ataque da selecção nacional já havia sido uma tormenta na fase de apuramento. Carlos Queiroz prometeu trabalhar, insistir e insistir até que fosse ultrapassado. No Mundial, contudo, revelou-se. As estatísticas podem desmenti-lo, porque Portugal termina com sete golos marcados, mas a verdade é que foram todos num só jogo, frente à Coreia, tendo a selecção nacional ficado em branco nos embates com a Costa do Marfim, com o Brasil e, nos oitavos, com a Espanha. A estratégia delineada por Carlos Queiroz para a selecção portuguesa, nestas três partidas, passou por jogar com precaução e fazer uso do contra-ataque rápido para explorar, sobretudo, a velocidade de Cristiano Ronaldo. No entanto, Portugal não demonstrou capacidade para construir lances de futebol ofensivo, para se instalar no meio-campo adversário e Ronaldo foi uma sombra de si próprio - como Simão ou Danny.

ECLIPSE RONALDO

Cristiano Ronaldo é, indiscutivelmente, a principal figura da selecção portuguesa. Há, mesmo, quem insista em rotular Portugal como sendo constituído por Ronaldo e mais dez. Por todo o seu valor, pela temporada sensacional que conseguiu no Real Madrid, destacando-se apesar do fracasso colectivo dos merengues, esperava-se bem melhor de um dos maiores talentos mundiais. Ronaldo, o verdadeiro jogador que cria, dribla, corre, encanta e marca, esteve em eclipse na África do Sul. O máximo de que Portugal dispôs foi de um Cristiano individualista, impotente e inofensivo. De Cristiano Ronaldo, pelos feitos que já alcançou e por tudo aquilo que representa, exige-se muito, muito mais. Portugal, para ser bem-sucedido, precisa dele na plenitude dos seus recursos. Não foi este, como prometera, o Mundial da sua explosão. Ronaldo nunca foi um jogador realmente desequilibrador.

LESÕES E INTRIGAS

A poucos dias do arranque oficial da prova, quando Portugal realizou o particular com Moçambique, foi oficializada a impossibilidade de Nani, talvez o jogador em melhor forma física, participar no Mundial 2010. Foi uma supresa. Porquê? Porque nunca antes havia sido noticiada qualquer lesão do jogador português e, essencialmente, porque o corpo clínico da Federação Portuguesa de Futebol não se apressou, desde logo, a explicar o sucedido. Criou-se, por isso, um clima de suspeição, de intriga e polémica, que em nada contribuiu para a manutenção da serenidade do grupo de trabalho. Acresce, ainda, que, após ter aterrado em solo português, Nani afirmou que estaria disponível dentro de uma semana. A política de comunicação utilizada pela comitiva português falhou por completo.

Seguiu-se Deco. No final da partida frente à Costa do Marfim, mostrando descontentamento pela posição em que Carlos Queiroz o colocou, o luso-brasileiro criticou as opções do seleccionador nacional. Retractar-se-ia no dia seguinte, no grupo e publicamente, referindo que fizera as declarações a quente e que não pretendia, de forma alguma, colocar em causa Queiroz. O caso ficou sanado... aparentemente, uma vez que logo surgiu uma lesão impeditiva de Deco jogar frente à Coreia do Norte. Uma vez mais, devido à coincidência, se levantou uma nuvem de intriga. Deco falharia a partida frente ao Brasil, ainda por lesão, e, apesar de estar recuperado, também não foi opção no duelo com a Espanha. As palavras do jogador, após a eliminação ante os espanhóis, são enigmáticas: "Bom ambiente? Entre os jogadores, sim".

No final do jogo com a Espanha, além da tirada de Deco que deixa transparecer algum atrito na relação entre os jogadores e a equipa técnica, foi uma declaração de Cristiano Ronaldo, visivelmente desiludido pela derrota, que ganhou relevo. Sobretudo pela condição do jogador do Real Madrid: Ronaldo é o capitão da selecção nacional, tem maiores responsabilidade e deve, por isso, medir convevientemente o alcance das suas palavras - além de que se trata de um jogador com um tremendo mediatismo. Inquirido na zona mista sobre que explicações teria para a derrota, Cristiano Ronaldo, em passo apressado, remeteu as responsabilidades para o seleccionador: "Falem com o Carlos Queiroz". Como capitão, alguém que é o rosto mais visível do grupo de trabalho, deveria ter sido mais racional e menos emocional.

EDUARDO E FÁBIO COENTRÃO: OS MELHORES

Num Mundial onde não se pode dizer que a participação de Portugal tenha sido completamente fracassada, a verdade é que também não correspondeu às esperanças dos portugueses. Há, no entanto, duas notas positivas a destacar: Eduardo e Fábio Coentrão, jogadores sem dimensão internacional antes do início da competição, deram um belo seguimento às temporadas realizadas e foram, de longe, os melhores jogadores da selecção portuguesa. O guarda-redes, apenas batido por uma vez, deu nas vistas na partida frente ao Brasil e, mais do que tudo, frente à Espanha, onde foi verdadeiramente heróico e não merecia, por nada, a eliminação sofrida. Revelou-se um dos bons guarda-redes do Mundial 2010 e enterrou, de vez, as desconfianças de quem afirmava que Portugal não possuia um guardião com créditos.

Além de Eduardo, que muito dificilmente não dará um salto na sua carreira após o que demonstrou na África do Sul, também Fábio Coentrão emergiu. Após empréstimo sucessivos, parecendo uma promessa para sempre adiada, Coentrão ganhou um lugar no Benfica, jogando como lateral-esquerdo. Nessa nova posição, para a qual Jorge Jesus o moldou, o jogador vila-condense, um extremo de origem, ganhou preponderância na equipa benfiquista e, com naturalidade, foi chamado para o Mundial 2010. Chegou, viu e venceu. Afastou a concorrência de Duda, fixou-se, foi titularíssimo e mostrou estar crescido. Na sua simplicidade, encarou Kalou ou Maicon tranquilo, sem receios e destacou-se. Bem a defender, importante a atacar, Fábio Coentrão confirmou o seu valor. O Benfica quer segurar a sua mais recente pérola mas o mercado internacional está de olho nele.

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